terça-feira, 27 de março de 2007

Portugal. Retrato Social


Excelente, o documentário de António Barreto!

As mudanças que aconteceram em Portugal desde os anos 60.

Os nascimentos. Como se nascia no passado e como se nasce hoje. A redução da natalidade. O aumento da esperança de vida. Antes 50 anos, agora cerca de 80. o envelhecimento. A alimentação, a fome. A família. Numerosa no passado. Reduzida agora. Monoparental, desfeitas, compósitas de várias famílias, homossexuais. As casas de uma pessoa só. Dividida com amigos.
A revolução sexual. A pílula, que libertou a mulher. Tem liberdade de escolher o momento da gravidez. Tem tempo para trabalhar. A sociedade organiza-se para a produção.
A velhice. Na cidade. No campo. Nos lares de idosos, para os pobres. Nas residências de júnior, para os ricos. A solidão. A impossibilidade dos filhos cuidarem dos pais como no passado. Têm de trabalhar para poder viver.
Nem sempre a evolução da sociedade é justa.

Curioso o facto de estar a ouvir muitos daqueles relatos como se fosse o meu avô a contar. Ou mesmo os meus pais ou tios. Como viviam há 40 anos. A sua infância. Como desenrascavam as refeições. O trabalho. As mezinhas caseiras que curavam tudo. As idas a pé ao Funchal. A falta de carros, de estradas. Tudo.
Um retrato verídico. E tão próximo.
Quase como diz o anúncio: "eu ainda sou do tempo..."


Vale a pena ver o documentário. E visitar o site do programa na RTP. Que devia passar a DVD os programas e disponibilizá-los no circuito comercial.

Muito bem na imagens. Magnífica a voz de António Barreto. Grave. Pausada. Observadora. Talvez o sociólogo que melhor nos conhece.


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Na descrição do programa no site da RTP está explicado o conteúdo. Nada melhor que citá-lo inntegralmente:


"As mudanças sociais verificadas em Portugal ao longo das últimas quatro décadas foram profundas e mais rápidas do que na maioria dos países europeus. Em certos casos, como na demografia, certas mudanças, medidas através dos indicadores sociais clássicos, ultrapassaram os valores médios dos países vizinhos.


A emigração, a guerra colonial, uma revolução política e social, a fundação do Estado democrático, a descolonização, uma contra-revolução, a adesão à União Europeia e a imigração foram alguns dos acontecimentos ou fenómenos históricos que marcaram estas quatro décadas e que resultaram ou aceleraram mudanças sociais profundas.


O sentido geral destas mudanças sociais foi o da aproximação dos padrões de vida europeus. Os indicadores demográficos, sociais e económicos portugueses parecem-se, cada vez mais, com os dos membros da União Europeia. Ainda há sinais relevantes que traduzem uma história específica, diferenças permanentes, um atraso real e circunstâncias especiais.


Mas nada permite afirmar hoje, como seria possível há poucas décadas, que Portugal mais parecia um país de outro continente. Os domínios do social e do económico foram mais dinâmicos do que o do político. Ainda a sociedade parecia imutável, nos anos sessenta, por causa do imobilismo político, e já as forças sociais, económicas e culturais registavam mudanças profundas, invisíveis à primeira vista.


A mudança política de 1974, a mais visível e a mais dramática, acelerou as mudanças sociais em curso. Mas foi ela própria preparada por aquelas. As mudanças sociais foram permanentes e contínuas. E começaram antes de 1974. A própria integração europeia, cujo início é costume datar de 1977, com a candidatura à Comunidade, ou de 1986, com a adesão efectiva, começou muito antes: com a emigração e o turismo dos anos sessenta, com a fundação da EFTA em 1959/60 e com o desenvolvimento das relações económicas e empresariais dos anos setenta.


As mudanças sociais e demográficas podem ser mais profundas do que as políticas, mas estas são mais perceptíveis, aparentemente mais radicais e têm um efeito acelerador. Removidos, com a democracia e a integração europeia, os obstáculos políticos, a mudança social e económica prosseguiu, depois de 1974, a um ritmo ainda mais rápido. Em todo este processo de mudanças rápidas ou graduais, invisíveis ou dramáticas, assistiu-se a uma permanente oscilação entre factores internos e externos. Mas sublinha-se a importância predominante dos factores externos: a emigração, o turismo, o comércio externo, os investimentos estrangeiros, os costumes, as modas, a ciência, a técnica, as artes, as mentalidades, a religião, etc.


Em certas situações, as sociedades não têm, dentro de si, forças, dinâmicas e dimensão suficientes para gerar uma mudança social acelerada. Sobretudo nos casos de sociedades pequenas, fechadas ao exterior, politicamente autoritárias, culturalmente viradas para si próprias, dotadas de insuficientes elites e com uma reduzida expressão das classes médias. Como era o caso de Portugal. Gradualmente exposto ao mundo exterior, mesmo contra ou apesar da vontade dos dirigentes políticos, o país encetou processos de mudança não programados. A abertura ao exterior terá sido a mais importante causa e consequência das transformações ocorridas.


Mas a sociedade não se limitou a digerir ou assimilar passivamente as influências externas. Pelo contrário, foi atravessada por acontecimentos e movimentos próprios, através dos quais teve de resolver os seus problemas atávicos, ultrapassar contradições, dirimir conflitos, encontrar as suas soluções e adaptar-se a novas situações. No que revelou uma notável plasticidade. Não era, com efeito, fácil, libertar-se um país de tanto quanto o condicionou durante décadas: a ignorância e a reverência; a delação e o medo; o autoritarismo e a repressão. Ao mesmo tempo que se separava de África e se voltava para a Europa; e que sacudia o paternalismo e criava uma República de cidadãos.


Ao fim de quarenta anos de uma quase correria, a sociedade, tão diferente do que era, encontra, não obstante, velhas questões. Mesmo se menor, a pobreza relativa de Portugal não deixa de ser causa das maiores ansiedades da população e dos seus dirigentes. Vivendo numa sociedade aberta de informação e conhecimento, de modas e de padrões de comportamento cosmopolitas, os portugueses partilham, as expectativas e as aspirações dos países mais desenvolvidos do mundo. Mas não têm, na sua economia, na sua cultura e na sua sociedade, capacidades suficientes para as satisfazer e concretizar.


As suas deficiências de organização, de formação técnica, de cultura, de produtividade, de rendimento económico e de eficácia dos serviços públicos são fonte de desequilíbrio e de frustração. Os portugueses habituaram-se, há séculos, a comparar-se com os europeus. E, apesar de muitas vezes resignados, não se conformam com os resultados das comparações: por mais depressa que andem, continuam muito atrás. Para um país que já foi pioneiro, é um pesadelo permanente.


É esta consciência do atraso que ajuda a alimentar a mitologia de uma identidade nacional muito especial. A de um país diferente, na dimensão, na glória passada e no carácter. A de um povo que, para se manter, deveria resistir à mudança e ao exterior. E, no entanto, o país moveu-se. A ponto de ficar um país como os outros. "

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