terça-feira, 20 de junho de 2006

Solstício

Não pude deixar de citar isto d´A Origem da Espécies.
Lembro-me de há uns tempos, estava eu calmamente a ler EQUADOR no Parque das Nações, e senta-se a meu lado um senhor. Meteu conversa. Agradável. Era o Jorge Trabulo Marques. Falou-me da sua passagem por Cabo Verde (onde decorre o romance de Miguel Sousa Tavares), da sua vida na rádio, da sua paixão por estas coisas "excêntricas" e do seu projecto para levar a cabo esta iniciativa. Conseguiu. Parabéns, a um apaixonado pela vida.

1 comentário:

Anónimo disse...

Obrigado pela amável referência.
E já agora recordo uma vez mais aqui a sua memória:

Há lá uma pedra a que eu dei o nome da Pedra do Fernando Assis Pacheco. É uma homenagem que eu lhe prestei depois da sua morte. Encontrei-me com ele em Foz Côa, em Outubro de 1995. Tinha ido fazer uma reportagem às gravuras do Côa e convidei-o a visitar aqueles lugares da minha aldeia. Ele adorou. Ficou muito contente por ver aquelas pedras. Na altura eu ainda não tinha descoberto a sua relação solar. Mas ele estava muito encantado com a panorâmica e com o lugar. Quando estávamos a regressar do Castro do Curral da Pedra, , pedi-lhe para subir ao alto de uma pedra e para ali dizer umas palavrinhas mágicas( que eu lhe sugeri) em louvor aos deuses daqueles lugares. Ele abriu os braços num gesto muito expressivo e repetiu aquelas palavras em alta voz.
Um mês depois partia para a eternidade. Então lembrei-me de assinalar aquela pedra com o desenho de um triângulo e as iniciais do seu nome. O ano passado na festa do solstício, depusemos lá uma coroa de flores e o João Canto e Castro leu ali alguns poemas e tocou uns acordes de violino, na presença de alguns dos seus filhos. A sua filha acendeu lá uma vela no centro dessa mesma pedra.

Olá Fernando! ainda te vejo
Ali a sorrir e abrir os teus braços!

Sempre que por aqui passo, não deixo de me lembrar de ti
e de olhar o centro da mesma pedra, o pequeno altar granítico
que emerge quase ao resvés com o distante horizonte,
num dos pontos mais destacados do vasto planalto rochoso,
sulcado de morros e giestas! - E, ao deter-me junto a ele,
ao circunvagar tudo à minha volta, dificilmente
perco a oportunidade de contemplar
os mesmos espaços que tu abraçaste
num sorriso e num abraço, tão largo,
tão amplo e aberto, que dir-se-ia
quereres ao mesmo tempo respirar
estes puros ares e abraçares todo o Universo!...
Lembraste, ó Fernando, como tudo aconteceu,
antes de te convidar a ires à minha aldeia? .... Encontrei-te
em Foz Côa! Acabavas de chegar do Vale Sagrado,
de mais um trabalho jornalístico – Fisicamente,
dizias que vinhas um bocado arrasado. Tinhas toda a razão!
O Outono já ia avançado; não era o sol moreno e abrasivo do Verão.
Mesmo assim, aquele dia de Outubro de 95, havia sido bem quente: “A vila é bonitinha. O clima da região atira nesta época do ano para os trinta graus à sombra.” Recordo ao ler a reportagem que ali fizeste
para a Visão – aquele que viria a ser o teu último trabalho!
Além disso, contornar as ladeiras da Penascosa,
dar um salto à Quinta da Barca,
fazer uma descida pelos trilhos
da íngreme Canada do Inferno,
para visitar os diferentes núcleos de gravuras
ao fundo do rio, mesmo indo de jipe nalguns percursos,
é cansativo. Sei que não foste a todos eles,
todavia, o giro que calcorreaste foi desgastante.

No entanto, a alegria que transparecia no teu rosto,
ocultava o teu cansaço. Se não mo confessasses,
quando te retemperavas do teu esforço com uma fresca bebida
no Travão, dir-se-ia que tinhas lá ido num voo
de alguma das águias das arribas do Douro!
Encontrei-te muito alegre e cheio de energia – Foi a sensação
que tive, quando nos avistámos lá na Vila
e me perguntavas, com visível contentamento: Olá Trabulo!...
És daqui?!.. Vi logo que não davas por perdida a manhã
e algumas horas da tarde! – E também vi
que a tua expressão era bem mais vasta e profunda
de que a simples circunstância de estares a saudar
um camarada do mesmo ofício!.. Compreendi
que reconhecias em mim –sabe-se lá, porquê –
algum parentesco remoto, alguma remota reminiscência
com o vale donde regressavas – E assim retribuíres
aos deuses antigos, a alegria que te ia na alma.
Fizeste bem: os deuses dos vates,
mesmo os mais remotos, acolhem sempre com ambas as mãos
e sabem agradecer e coroar com olímpicas grinaldas, tudo
quanto de poético lhes é ofertado
e não é dado em vão.


Jorge Trabulo Marques