domingo, 28 de janeiro de 2007

Grandes portugueses?!

Tendo por base o alegado resultado do programa "Grandes Portugueses", da RTP, Vasco Pulido Valente escreveu hoje no PÚBLICO:
"Ontem escrevi nesta coluna: “Salazar percebeu muito bem este país”. De facto. Soube depois, por um semanário que o “público” da RTP o elegeu o “maior português de sempre” e que, a seguir, votou em Cunhal. Mesmo descontando a ignorância indígena (e não se pode descontar muito porque, por exemplo, Camões, Pessoa e Pombal aparecem entre os dez primeiros), não se deve tomar ligeiramente esta escolha. Em primeiro lugar, e talvez seja bom reparar nisso, ela é a condenação absoluta do regime vigente, ou seja, da democracia. Tanto Salazar como Cunhal a julgavam inadequada à sociedade portuguesa e fizeram tudo para a evitar ou liquidar. Parece que tinham razão e que a Pátria em peso concordava com eles. Sem a “Europa”, já havia por aí ditador.
Em segundo lugar, os dois queriam (e desde o começo quiseram) isolar Portugal do Ocidente, que achavam desprezível e corruptor. Salazar queria o império de África ou, como à época se dizia, “o último baluarte da Cristandade”. Cunhal queria o admirável “sol” da URSS. Educados no princípio do século XX, nenhum deles, no fundo, queria a modernidade. Com uma versão de autoritarismo católico ou com uma versão doméstica do “socialismo real”, tentavam principalmente afastar o espectro do futuro, de que só esperavam incerteza e desordem. Sonhavam com um país arrumado e estático, em que o Estado fosse árbitro e polícia. Um país que não deixou ainda de existir na cabeça dos portugueses e contra o qual, de Cavaco a Sócrates, de nada valeu o esforço e a retórica dos “modernizadores” que vieram depois.
E, em terceiro lugar, e como corolário, nem Salazar nem Álvaro Cunhal se preocupavam muito com o “atraso” e a miséria da gente que por cá vivia, ou continua a viver – embora Cunhal, como é óbvio, proclamasse o contrário. Ambos temiam que o dinheiro trouxesse consigo o vírus da mudança. Para os dois, o “atraso” e a miséria não passavam do preço (tolerável) da “independência” (em que nunca deixaram de insistir) ou, mais precisamente, do preço da segurança e da hierarquia. Em 2007, Portugal persiste em aprovar esta transacção.
Estranho caso o de um país que se revê em Salazar e Cunhal. Com seu ar ascético e a sua fé, um e outro conseguiram arrasar e perverter tudo em que tocaram e estão na origem da maior parte dos problemas de hoje. Mas Portugal guarda uma boa memória do mundo desumano que lhes impuseram, ou pretenderam impor."

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