Tendo por base o alegado resultado do programa "Grandes Portugueses", da RTP, Vasco Pulido Valente escreveu hoje no PÚBLICO:
"Ontem escrevi nesta coluna: “Salazar percebeu muito bem este país”. De facto. Soube depois, por um semanário que o “público” da RTP o elegeu o “maior português de sempre” e que, a seguir, votou em Cunhal. Mesmo descontando a ignorância indígena (e não se pode descontar muito porque, por exemplo, Camões, Pessoa e Pombal aparecem entre os dez primeiros), não se deve tomar ligeiramente esta escolha. Em primeiro lugar, e talvez seja bom reparar nisso, ela é a condenação absoluta do regime vigente, ou seja, da democracia. Tanto Salazar como Cunhal a julgavam inadequada à sociedade portuguesa e fizeram tudo para a evitar ou liquidar. Parece que tinham razão e que a Pátria em peso concordava com eles. Sem a “Europa”, já havia por aí ditador.
Em segundo lugar, os dois queriam (e desde o começo quiseram) isolar Portugal do Ocidente, que achavam desprezível e corruptor. Salazar queria o império de África ou, como à época se dizia, “o último baluarte da Cristandade”. Cunhal queria o admirável “sol” da URSS. Educados no princípio do século XX, nenhum deles, no fundo, queria a modernidade. Com uma versão de autoritarismo católico ou com uma versão doméstica do “socialismo real”, tentavam principalmente afastar o espectro do futuro, de que só esperavam incerteza e desordem. Sonhavam com um país arrumado e estático, em que o Estado fosse árbitro e polícia. Um país que não deixou ainda de existir na cabeça dos portugueses e contra o qual, de Cavaco a Sócrates, de nada valeu o esforço e a retórica dos “modernizadores” que vieram depois.
E, em terceiro lugar, e como corolário, nem Salazar nem Álvaro Cunhal se preocupavam muito com o “atraso” e a miséria da gente que por cá vivia, ou continua a viver – embora Cunhal, como é óbvio, proclamasse o contrário. Ambos temiam que o dinheiro trouxesse consigo o vírus da mudança. Para os dois, o “atraso” e a miséria não passavam do preço (tolerável) da “independência” (em que nunca deixaram de insistir) ou, mais precisamente, do preço da segurança e da hierarquia. Em 2007, Portugal persiste em aprovar esta transacção.
Estranho caso o de um país que se revê em Salazar e Cunhal. Com seu ar ascético e a sua fé, um e outro conseguiram arrasar e perverter tudo em que tocaram e estão na origem da maior parte dos problemas de hoje. Mas Portugal guarda uma boa memória do mundo desumano que lhes impuseram, ou pretenderam impor."
Em segundo lugar, os dois queriam (e desde o começo quiseram) isolar Portugal do Ocidente, que achavam desprezível e corruptor. Salazar queria o império de África ou, como à época se dizia, “o último baluarte da Cristandade”. Cunhal queria o admirável “sol” da URSS. Educados no princípio do século XX, nenhum deles, no fundo, queria a modernidade. Com uma versão de autoritarismo católico ou com uma versão doméstica do “socialismo real”, tentavam principalmente afastar o espectro do futuro, de que só esperavam incerteza e desordem. Sonhavam com um país arrumado e estático, em que o Estado fosse árbitro e polícia. Um país que não deixou ainda de existir na cabeça dos portugueses e contra o qual, de Cavaco a Sócrates, de nada valeu o esforço e a retórica dos “modernizadores” que vieram depois.
E, em terceiro lugar, e como corolário, nem Salazar nem Álvaro Cunhal se preocupavam muito com o “atraso” e a miséria da gente que por cá vivia, ou continua a viver – embora Cunhal, como é óbvio, proclamasse o contrário. Ambos temiam que o dinheiro trouxesse consigo o vírus da mudança. Para os dois, o “atraso” e a miséria não passavam do preço (tolerável) da “independência” (em que nunca deixaram de insistir) ou, mais precisamente, do preço da segurança e da hierarquia. Em 2007, Portugal persiste em aprovar esta transacção.
Estranho caso o de um país que se revê em Salazar e Cunhal. Com seu ar ascético e a sua fé, um e outro conseguiram arrasar e perverter tudo em que tocaram e estão na origem da maior parte dos problemas de hoje. Mas Portugal guarda uma boa memória do mundo desumano que lhes impuseram, ou pretenderam impor."
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