segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O outeiro do avô Alfredo

Era mais uma tarde de verão. O vento soprava constante e em sentido único. E mais uma vez o velho Alfredo tinha subido ao cimo daquele seu outeiro. Ali tinha passado muitos dias a trabalhar, a cultivar as suas hortaliças. Agora, vestido com os seus oitenta e alguns anos – deixou de contá-los – ficava ali apenas a fixar o horizonte que os seus cansados olhos ainda alcançavam. Quem o visse de longe poderia compará-lo a um gato, porque conseguia permanecer horas ali, imóvel, apenas a olhar, alheio ao mundo em redor. Quem o via de longe contava horas. Para ele eram apenas minutos.
Alguns momentos depois – horas? minutos? – chegou a Mariana, a sua netinha de 5 anos. Também ela, apesar de estar numa idade irrequieta, imitava o avô e sentava-se a olhar o além. Frequentemente também em silêncio, embora por vezes gostasse de abrir o livro dos porquês.

- Avô, porquê é que aqueles moinhos são assim?

Olhava para o futuro que ali tinha chegado há alguns anos vestido de torre de energia eólica.

- Menina – era assim que a tratava – o moinho grande é uma modernice que uns senhores inventaram para fazer luz. O outro, baixinho, era como no meu tempo se moía o trigo para fazer pão. Havia muita fome no meu tempo. O grande ainda é jovem e cheio de força, o outro já está velho e já não pode mexer os braços, como eu.

Assim comparava os modernos moinhos de energia eólica, imponentes no seu metálico gigantismo, e os velhos moinhos de pedra e de pás de paus e pano, agarrados à pedra sentada no chão, envelhecidos, corcundas.
A Mariana contentava-se com as explicações simples do avô Alfredo.

O avô Alfredo já tinha visto muita coisa acontecer ali de cima do seu miradouro.
Há vinte anos tinham cortado os infindáveis campos com uma faixa negra de alcatrão. O progresso chegava ali sob a forma de auto-estrada, e com esta veio o barulho e o fumo. Nas horas que ali passava já tinha visto de tudo: engarrafamentos, o vazio, acidentes e toda as consequências…

Recordava os tempos em que cuidava do seu pequeno rebanho de ovelhas, brancas, castanhas, pretas. Ele em silêncio, o rebanho a vestir de lã os verdes campos circundantes, e era um novelo de lã que se movia e formava a imaginação de quem olhava à distância. Para ele era como as crianças faziam com as nuvens: a imaginação é que lhes dava forma, cor, vida.

Quando ia para a beira-mar passear com a Mariana, dizia-lhe:

- vês aqueles algodões doces no mar? Na televisão dizem que é o vento que cria aquela espuma na água no mar, mas é mentira. Aqueles montes brancos são um rebanho de ovelhas marinhas. Já ouviste falar nos cavalos marinhos?

Mariana, entendida em banda desenhada, respondia:

- sim, são os cavalos de Neptuno…

- sim, Mariana, esse senhor é o pastor dos peixes… E aquelas espumas brancas são as ovelhas marinhas que ele tem para fazer casacos coloridos aos peixes do seu gigantesco aquário.

1 comentário:

Anónimo disse...

Lembro-me de uma vez teres escrito em algum lado algo semelhante a isto: "sou muito mais do que pareço e muito menos do que gostaria de ser".
Este é um daqueles posts que me faz concordar que realmente tu és muito mais do que pareces.... porque mais uma vez conseguiste surpreender-me e revelar mais um bocadinho de ti:)
E eu adoro surpreender-me contigo:)
Bjinho Grande, cheio de amizade!
Cris