quinta-feira, 15 de junho de 2006

Plano Nacional de Leitura

Há alguns dias o Governo apresentou, com a pompa, circunstância e espírito propagandístico que lhe é conhecido, o Plano Nacional de Leitura (PNL).

A ideia, por si só, não faz qualquer sentido, mas adiante.
O Governo criou uma comissão para superintender o PNL, constituída por uma centena de intelectuais e desconhecidos. Os mais falados foram Vasco Pulido Valente e José Saramago. O primeiro mandou aquilo às urtigas numa penada e sem qualquer tipo de dramas, como é seu apanágio. O segundo aceitou pertencer à dita comissão, e depois fez uma declaração qualquer em que disse cobras e lagartos do Plano Nacional de Leitura. Viva a lógica!

No PÚBLICO de 3 de Junho, Pulido Valente escreveu:
"Não conheço muita gente, gente da minha idade, que leia, apesar de uma educação tradicional. Porquê? Porque ler implica um esforço: de atenção, de inteligência, de memória. Ler é uma actividade e a nossa cultura é quase inteiramente passiva. A televisão, o DVD, a música popular ou a conversa de computador não exigem nada, deixam a pessoa num repouso imperturbado e bovino. Mudar isto equivale a mudar o mundo"

Por seu turno, Francisco José Viegas, recentemente premiado com o
Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores 2006 pelo seu romance “Longe de Manaus”, criticou o facto de se associar leitura e cidadania numa espécie de aliança de virtudes cívicas.
No JN escreveu:
“Essa ideia é, além de irritante ("bons cidadãos, bons leitores"), perversa e ruim para a própria leitura. A leitura é fonte de inquietação, de ruína, de descalabro - e também de felicidade e de preguiça. Nenhuma destas coisas faz bons cidadãos. Certamente que "ler muito" é bom - mas "ler bem" é muito melhor. É claro que ninguém, no seu perfeito juízo, está em condições de definir o que é "ler bem", embora se perceba que se trata de ler bons autores, de conhecer a grandeza dos clássicos da nossa língua e das outras línguas, da nossa cultura e das outras culturas. Ninguém é melhor cidadão por ter lido Fernando Pessoa ou João de Barros. Mas a capacidade de entender o mundo melhora consideravelmente.
Ler bem é, também, aproveitar a felicidade de ler, se se é feliz ao ler um livro que se amou. Mas não se trata de uma virtude cívica.
(…)
Precisamente, alguns ideólogos estapafúrdios do ensino do Português (aqueles que dizem que a matéria curricular trata do "ensino do português" e não do "ensino da literatura") garantem que interessa acabar com a iliteracia e que a literatura não tem nada a ver com o assunto.
(...)
Penso que o conhecimento dos clássicos é um dos melhores caminhos para conhecer a nossa história, a nossa língua e a nossa cultura. E que a leitura de um clássico é melhor do que a leitura de um regulamento do Big Brother, um artigo de jornal ou cartaz publicitário. Mas estes anos de insistência nas "virtudes cívicas do ensino do português" em vez do ensino da literatura, "produz técnicos de ensino" do português mas não forma professores disponíveis para cativar estudantes do secundário para os desafios da leitura. Um dos argumentos é triste e vergonhoso: o de que os estudantes do secundário, por exemplo, "não compreendem" o texto de um clássico, "não entendem" a linguagem dos autores do cânone da nossa literatura. Por isso, tratam de "facilitar o caminho" e de modelar a cabeça das criancinhas (infantilizadas e maltratadas por anos de erros ortográficos). Se o Plano Nacional de Leitura não devolver os clássicos da nossa língua à escola, não terá sucesso.”
Não há plano nenhum que faça as pessoas ler. Nem mesmo oferecer livros nos supermercados ou com a edição semanal da Maria. É um prazer que se adquire com o tempo, com os livros que se lêem, com o enquadramento familiar e cultural de cada um.
Lembro-me que, no secundário, era obrigatório ler Os Maias. Só a ideia de ler aquele "calhamaço" aterrorizava muitos espíritos. Um ano antes dessa leitura obrigatória, a minha escola fez uma feira do livro. Comprei Os Maias. Tentei lê-lo por duas vezes nessas férias de verão. Achei maçudo. Mas à terceira tentativa, consegui. E li esta obra de referância muito antes da obrigatoriedade escolar. Gostei do livro, um dos melhores que já li. Quando foi obrigatório ler o livro, eu já o tinha lido, e foi só ir acompanhando as aulas de Português.
A solução para resolver a não-leitura em Portugal - acho eu - passaria por criar a disciplina de Argumantação e Retórica, como acontece noutros países. E nessas aulas incutir o gosto pelo debate, pela discussão de ideias, pela curiosidade intelectual.

1 comentário:

ad_intra disse...

As ideias que emanam dessa cabeça iluminada... LOL

Temos político : )))))

Continua q ainda chegas a PM!!!

Kiss*