domingo, 13 de agosto de 2006

Incêndios e cidadania

Este texto (MATAGAL) de Helena Garrido foi publicado no DN já há algumas semanas, mas ilustra bem a cidadania que por cá se vive.
"O Bairro Dona Leonor em São Domingos de Benfica, em Lisboa, está rodeado de matagal que chega ao primeiro andar dos prédios. Há ratazanas a entrar nas casas. Estará o bairro deserto? Não, os moradores fazem a sua vida quotidiana e queixam-se ... de ninguém limpar o bairro.
A primeira reacção a uma história tão improvável como esta é perguntar porque não se organizam e limpam o bairro. Tarefa impossível para a atitude que os portugueses foram assumindo nos últimos anos. Nem pensar. O importante é dizer que a culpa é de uma qualquer instituição pública, a câmara, a junta de freguesia e quem sabe até o Governo ou Bruxelas.
Este pequeno exemplo expõe bem o estado de irresponsabilidade individual a que chegámos. A incapacidade de cooperar, tão visível quando o País era rural e andava à sacholada por centímetros de terra ou impedia o uso da água pelo vizinho, transferiu-se para a cidade. E aquilo que vemos naquele bairro reproduz-se a outros níveis, nos condomínios privados onde são frequentes os desentendimentos que acabam por degradar as condições de vida que se esperava ter.
Foi esta atitude que inviabilizou os mercados de origem, onde teoricamente os agricultores iriam vender as suas produções, garantindo assim a quantidade suficiente para vender a grandes clientes. É com esta cultura que as associações empresariais nada têm para oferecer aos seus associados que não seja um palco para se queixarem do Governo que lá estiver na altura. É ainda esta cultura que marca a investigação académica em Portugal, em que pouco se partilha, nem sequer a base de dados.
Como é diferente a atitude de povos como os norte-americanos, os escandinavos e os ingleses ou irlandeses. Em Nova Iorque é comum ver canteiros que são cuidados por quem vive num andar do bairro ou até estradas que são limpas pelos moradores. A informação nos EUA é acessível a quem queira adquirir conhecimento.
O individualismo irresponsável que marca a nossa atitude no sítio onde vivemos e na relação com o trabalho e o conhecimento, a incapacidade de partilhar e cooperar para resolver problemas concretos são uma praga que nos condena ao subdesenvolvimento das lamentações. Sempre em busca de culpados. Nunca procurando soluções. Mesmo quando, como acontece naquele bairro de Lisboa, as ratazanas nos invadem. A falta de dinheiro do Estado pode ser mal que vem por bem. Talvez assim, finalmente, se oiçam menos lamentos e mais acções."

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