domingo, 21 de janeiro de 2007

A minha posição!

A campanha para o referendo de 11 de Fevereiro sobre o aborto já está na rua. A pergunta é a mesma do referendo já realizado em 1998: “Concorda com a despenalização da IVG, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”

A pergunta é clara, a campanha em curso nem tanto. Porque se distrai com todas as questões laterais que vão passando pela cabeça de certos iluminados. De seguida, algumas dessas questões (citadas, e bem, no Desblogueador de Conversa):
- quanto custa um referendo nacional;
- de onde vem o dinheiro dos vários movimentos que tomam parte na campanha referendária;
- as regras dos tempos de antena;
- quanto irá custar ao SNS a prática legalizada de abortos;
- és/não és do meu “clube” e por isso tem de votar comigo/do outro lado;
- o aborto é um assunto de mulheres.

Quanto aos custos das campanhas, ninguém se interessa. Basta ver o que se passa quando há campanhas eleitorais “normais”, quer durante as mesmas, quer depois com os pareceres do Tribunal de Contas.
De onde vem o dinheiro… dos mesmos sítios do costume!
Ainda sobre custos, mas das repercussões da prática de abortos no SNS, há várias questões a ter em conta. Embora estejamos em crise orçamental-financeira há vários anos, parece que o acréscimo de custo é irrisório. Outra é a perspectiva mais pertinente neste âmbito: será justo/correcto/legítimo a quem não fuma impedir o tratamento, nos hospitais públicos, dos cidadãos que contraíram doenças devido a esse vício? Será lícito a quem não tem carro não contribuir, através dos seus impostos, para o tratamento das vítimas de acidentes automóveis? Claro que uma gravidez não é uma doença…
O aborto é um assunto demasiado pessoal para que a escolha entre o “sim” ou o “não” seja feita com base na clubite. Por isso é que é um tema transversal a toda a sociedade e a todos os quadrantes político-partidários.
Sobre isto ser um “assunto de mulheres”, o aborto não tem género, porque a mulher não é uma amiba que se auto-reproduz sem a participação do elemento masculino. A gravidez só acontece na junção de dois corpos: um homem e uma mulher (seja num acto de amor, seja num acto de irresponsabilidade). Por isso, este é o argumento do machismo mais irresponsável e estúpido.

Questões pertinentes que, na minha opinião, deveriam estar a ser discutidas neste período de campanha de esclarecimento (e tendo em conta que todos presumem que uma maioria “sim” é certa…):
- que procedimentos (médicos, burocráticos,…) deve seguir a mulher que pretende abortar?;
- o que é um “estabelecimento de saúde legalmente autorizado”?;
- o que acontece a uma mulher que pretenda abortar depois das 10 semanas?;
- o que se passou com as políticas de planeamento familiar que todos (partidos políticos) disseram que iam ser desenvolvidas após o referendo de 1998?
- se a maioria votar “não”, o que acontece? Sim, há duas hipóteses de resposta à pergunta… Irão ser desenvolvidas verdadeiras políticas de planeamento familiar? A educação sexual vai ser mesmo dada nas escolas?

Uma maioria (e não “vitória”, pois isto não é uma eleição!) do “sim” irá resolver o aborto clandestino? NÃO!
Por vários motivos:
- o aborto vai ser um negócio de meia dúzia de clínicas privadas, a que só poderão recorrer as mulheres que tenham poder de compra. As mulheres mais carenciadas vão continuar a ir à parteira de vão de escada;
- a vergonha social. Um aborto não é como ir tirar um dente: tem uma carga valorativa e moral, e a sociedade não vai mudar de valores só porque mudou a lei. Desengane-se quem pensa que com esta lei acaba o aborto clandestino.
- as mulheres que queiram abortar após as 10 semanas irão ao “serviço vão de escada” (se tiverem dinheiro, fazem-no noutro país).

O “sim” tem baseado muita da sua argumentação no dar condições às mulheres desfavorecidas para fazerem o aborto em segurança, para combater este flagelo social.
Pergunto:
- porque não, antes, dar condições de vida (trabalho, acompanhamento social, inclusão…) a essas mulheres? Aproveito para citar aqui Maria José Nogueira Pinto, num artigo publicou no DN de 19 de Janeiro: “o aborto não deve constituir-se como a resposta social à condição de pobreza, em Portugal, no século XXI”.
- porque não desenvolver uma verdadeira política de formação e informação sobre as questões de sexualidade?
- porque não cumprir verdadeiramente as ideias maravilhosas de que todos falam sobre planeamento familiar?
(- só para chatear: se o aborto fosse permitido há muito anos, os actuais defensores do "sim" teriam nascido?)

O “não” tem desenvolvido alguns argumentos demagógicos, os mais célebres dos quais são: “não quero contribuir com os meus impostos para financiar clínicas de aborto” e “abortar por opção sabendo que já bate um coração?”. Podiam fazer uma campanha muito mais inteligente… Por exemplo, defendendo políticas de planeamento familiar, formas de errradicar as causas do aborto.

A nível ideológico, a questão do aborto tem sido erradamente debatida no nosso país. Porque tratada inversamente nos seus pólos. Alberto João Jardim aflorou esta análise no seu artigo (que divulguei há alguns dias).
Ou seja, a esquerda, que devia estar a defender a melhoria das condições de vida, para reduzir as condições que alegadamente levam ao aborto, é partidária do aborto. A solução consumista e fácil.
A direita, que seria suposto ter a posição mais utilitária e barata, bate-se contra o aborto, defendendo políticas de melhoria de vida e de planeamento familiar.
Foi assim noutros países, como a França. Mas em Portugal as coisas têm uma forma de ser muito própria…
Ainda a nível ideológico, mas noutra perspectiva: se em 1998 o “sim” tivesse sido "maioritário" (nesse referendo o resultado não foi vinculativo), os partidários do “não” poderiam ter desenvolvido uma campanha latente desde então no intuito de inverter o sentido do resultado sem ser apelidados de intolerantes e anti-democráticos?
Obviamente que não!, mas em Portugal a esquerda é endeusada e pode fazer e dizer tudo sob o manto da tolerância e da liberdade que lhes enche a boca.

Porque é que se chega a um referendo com esta pergunta?
A resposta é simples: não há planeamento familiar, os contraceptivos não passam de uma ideia filosófica, é "chato" comprar preservativos nos supermercados, e “distracções” várias. Embora deva ser certo que nenhuma mulher (ou muito poucas…) deve fazer um aborto de ânimo leve.

Lendo a pergunta que baliza este referendo, não se trata de só despenalizar, trata-se também de liberalizar o aborto até às 10 semanas (bastando para tal o pedido da mulher grávida). E a lei vigente já contempla as situações em que pode ocorrer um aborto: violação, risco de vida da mulher, e mal-formação do feto tornando-o inviável.

À pergunta “Concorda com a despenalização da IVG, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”, respondo NÃO!

3 comentários:

Anónimo disse...

Apesar de o meu voto ser diferente do teu, o teu comentário é o primeiro que leio que reflecte seriamente sobre a questão. Pelo menos aprecias a questão dos dois lados e depois tiras as tuas próprias conclusões. Muito boa gente anda por aí a manifestar-se só porque sim e nem sequer sabe o que diz.
Eu voto sim porque, apesar de ser contra o aborto, não tenho o direito de impor a minha maneira de pensar aos outros. O que está em causa é se concordamos com a despenalização... e não se concordamos com o aborto propriamente dito. Se o "sim" ganhar, nenhuma mulher é obrigada a abortar. Mas passa a ter o direito a escolher. E, sejamos honestos... só quem passa por elas é que sabe!
O que me irrita é saber que muitos defensores do "não" seriam os primeiros a fazê-lo. Não é o teu caso, e por isso é que respeito a tua posição. Mas - infelizmente - não posso dizer o mesmo de todos os que tenho ouvido falar, em ambos os lados da barricada.
Finalmente, para rematar... No meu ponto de vista, despenalização sim. Desde que devidamente acompanhada e fiscalizada, de modo a evitar que passe a ser mais um método contraceptivo em vez de ser o último recurso. E não esquecendo o investimento na educação sexual e no planeamento familiar, para evitar que o recurso ao último recurso seja cada vez menor.

Anónimo disse...

Correcção:P
Para evitar que o recurso ao último recurso seja cada vez maior.

... disse...

Boa reflexão, de facto, no entanto, convem n esquecer os casos excepcionais que, por si só, justificam a despenalização.
De forma controlada e regrada sou a favor do sim.
Abraço