segunda-feira, 4 de junho de 2007

Cativa-me!

Como acabei de reler O Principezinho, cá fica o coração - e a parte mais conhecida - do livro (capítulo XXI):
"Foi então que apareceu a raposa.

- Olá, bom dia! – disse a raposa
- Olá, bom dia! – respondeu educadamente o principezinho, que se virou para trás mas não viu ninguém.
- Estou aqui, debaixo da macieira – disse a voz.
- Quem és tu? – perguntou o principezinho –
És bem bonita…
- Sou uma raposa – disse a raposa.
- Anda brincar comigo – pediu-lhe o principezinho. –
Estou tão triste…
- Não posso ir brincar contigo – disse a raposa. – Ainda ninguém me cativou…
- Ah! Então, desculpa! – disse o principezinho.
Mas pôs-se a pensar, a pensar, e acabou por perguntar:
- “Cativar” quer dizer o quê?
- Vê-se logo que não és de cá – disse a raposa. – De que andas tu à procura?
- Ando à procura dos homens – disse o principezinho. –
“Cativar” quer dizer o quê?
- Os homens têm espingardas e passam o tempo a caçar – disse a raposa. – É uma grande maçada! E também fazem criação de galinhas. Aliás, na minha opinião, é o único interesse deles. Andas à procura de galinhas?
- Não – disse o principezinho. –
Ando à procura de amigos. “Cativar” quer dizer o quê?
- É uma coisa de que toda a gente se esqueceu – disse a raposa. – Quer dizer “criar laços”…
-
Criar laços?
- Sim, laços – disse a raposa. – Ora vê: por enquanto tu não és para mim senão um rapazinho perfeitamente igual a cem mil outros rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto eu não sou senão uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativares, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E eu também passo a ser única no mundo para ti…
- Parece-me que estou a perceber – disse o principezinho. –
Sabes, há uma certa flor… tenho a impressão que ela me cativou…
- É bem possível – disse a raposa. – Vê-se cada coisa cá na Terra…
- Oh! Mas não é na Terra! – disse o principezinho.
A raposa pareceu muito intrigada.
- Então, é noutro planeta?
-
É.
- E nesse planeta há caçadores?
-
Não?
- Começo a achar-lhe alguma graça… e galinhas?
-
Não.
- Não há bela sem senão… - suspirou a raposa.
Mas voltou a insistir na mesma ideia:
- Tenho uma vida terrivelmente monótona. Eu caço galinhas e os homens caçam-me a mim. As galinhas são todas parecidas umas com as outras e os homens são todos parecidos uns com os outros. Por isso, às vezes aborreço-me muito. Mas, se tu me cativares, a minha vida fica cheira de sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus passos hão-de chamar-me para fora da toca, como música. E depois, repara! Estás a ver aqueles campos de trigo ali adiante? Eu não gosto de pão e, por, isso, o trigo não me serve para anda. Os campos de trigo não me fazem lembrar nada. E é uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor do outro. Então, quando tu me tiveres cativado, vai ser maravilhoso! O trigo é dourado e há-de fazer-me lembrar de ti. E hei-de gostar do som do vento a bater no trigo…
A raposa calou-se e ficou a olhar para o principezinho durante muito tempo.
- Se fazes favor… Cativa-me! – acabou finalmente por pedir.
- Eu bem gostava – respondeu o principezinho, -
mas não tenho muito tempo. Tenho amigos por descobrir e uma data de coisas para conhecer…
- Só conhecemos o que cativamos – disse a raposa. – Os homens deixaram de ter tempo para conhecer o que quer que seja. Compram coisas já feitas aos vendedores. Mas como não há vendedores de amigos, os homens deixaram de ter amigos. Se queres um amigo, cativa-me!
- E tenho de fazer o quê? – disse o principezinho.
- Tens de ter muita paciência. Primeiro, sentas-te longe de mim, assim, na relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas podes-te sentar cada dia um bocadinho mais perto…

O principezinho voltou no dia seguinte.
- Era melhor teres vindo à mesma hora – disse a raposa. Por exemplo, se vieres às quatro horas, às três, já eu começo a estar feliz. E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sinto. Ás quatro em ponto hei-de estar toda agitada e toda inquieta: fico a conhecer o preço da felicidade! Mas se chegares a uma hora qualquer, eu nunca vou saber a que horas hei-de começar a arranjar o meu coração, a vesti-lo, a pô-lo bonito… Precisamos de rituais.
- O que é um ritual? – disse o principezinho.
- Também é uma coisa de que toda a gente se esqueceu – disse a raposa. – É o que torna um dia diferente dos outros dias e uma hora diferente das outras horas. Por exemplo, os meus caçadores têm um ritual. À quinta-feira, vão dançar com as raparigas Ada aldeia. Por isso, a quinta-feira é um dia maravilhosos. Eu posso ir passear ás vinhas. Se os caçadores fossem dançar num dia qualquer, os dias eram todos iguais uns aos outros e eu nunca tinha férias.
E o principezinho cativou a raposa. Mas quando se aproximou a hora da despedida:
- Ai! – suspirou a raposa. – Ai que me vou pôr a chorar…
- A culpa é tua – disse o principezinho. –
Eu não te desejava mal nenhum, mas tu pediste para eu te cativar…
- Pois pedi – disse a raposa.
- Mas agora vais-te pôr a chorar! – disse o principezinho.
- Pois vou – disse a raposa
Então não ganhaste nada com isso!
- Ai ganhei, sim, senhor! – disse a raposa. Por causa da cor do trigo…
E acrescentou:
- Anda, vai ver as rosas outra vez. Vais entender que a tua é única no mundo. Quando vieres ter comigo, dou-te um presente de despedida: conto-te um segredo.

O principezinho foi ver as rosas outra vez.
- Vocês não são nada parecidas como a minha rosa! Vocês ainda não são nada – disse-lhes eles. –
Ninguém vos cativou e vocês não cativaram ninguém. São como a minha raposa era, uma raposa perfeitamente igual a outras cem mil raposas. Mas eu tornei-a minha amiga e ela passou a ser única no mundo.
E as rosas ficaram bastante arreliadas.
- Vocês são bonitas, mas vazias – insistiu o principezinho. –
Não se pode morrer por vocês. Claro que, para um transeunte qualquer, a minha rosa é igual a vocês. Mas, sozinha, é muito mais importante do que vocês todas juntas, porque foi ela que eu reguei. Porque foi ela que eu pus debaixo de uma redoma. Porque foi ela que eu abriguei com o biombo. Porque foi a álea que eu matei as lagartas (menos duas ou três, por causa das borboletas). Porque foi a ela que eu ouvi queixar-se, gabar-se e até, às vezes, calar-se. Porque ela é a minha rosa.

Depois voltou para o pé da raposa e despediu-se:
- Adeus…
- Adeus – despediu-se a raposa. – Agora vou-te contar o tal segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos…
- O essencial é invisível para os olhos – repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que tornou a tau rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa… - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Os homens já não se lembram desta verdade – disse a raposa. – Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que cativaste. Tu és responsável pela tua rosa…
- Eu sou responsável pela minha rosa… - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer."


O Principezinho
, de Antoine de Saint-Exupéry

2 comentários:

Cris disse...

Um texto suficientemente bonito para merecer um comentário de reconhecimento...
Um texto demasiado bonito para se acrescentar o quer que seja, sob pena de esmorecer o efeito da sua beleza dentro de nós...
Nem é preciso acrescentar nada.. já lá está tudo dito!
Bjocas doces!

Marisa disse...

Estou inteiramente de acordo com a Sunshine. Obrigado por me recordar de tão belo trecho. O dia será, certamente, mais brilhante. :)